Me. Viviane Bagiotto Botton - Doutoranda UNAM (México)
Resumo
O Simpósio Temático pretende abrir para discussão temas que considerem as estrangeiras e os limites aos quais estão expostas ao longo da história. Em outras palavras, pretende-se discutir a alteridade considerada a partir das figuras do estrangeiro, do que é estranho, diferente, “anormal”, desde o surgimento da modernidade e da subjetividade, como enfatizou Foucault, até as perspectivas atuais que questionam e debatem temas como identidade, igualdade e diferença. Em linhas gerais, a condição de “estrangeiro” é uma condição paradoxal, já que é um estar “dentro” e “fora” ao mesmo tempo. Essa condição amplia e, de certa forma, desconstrói as fronteiras entre um “nós” e um “outro”, entre “selvagens” e “civilizados”, entre “normais” e “anormais”, abrindo espaço para pensarmos a diferença e a multiplicidade de “outros”.
Para além das implicações subjetivas, esse tipo de alteridade reconfigura nossas posturas éticas e políticas, tanto individuais e sociais como as legais de Estado, que passam a regular e definir não só as fronteiras do “externo” mas também a opacidade e a transparência que a diversidade deve assumir. As finas fronteiras que nos diferenciam como sujeitos e que delineiam nossas posturas políticas nas sociedades ocidentais impõem aos estrangeiros uma “visibilidade” necessária e discreta que oscila entre uma, igualmente necessária e indispensável, “invisibilidade”. As questões subjetivas, sociais, éticas, políticas e mesmo psíquicas, que o tema envolve, são relevante no contexto das discussões históricas (atuais) e podem ser abordadas a partir de diferentes perspectivas, linhas de estudos e áreas de conhecimento.
Por tanto, um Simpósio sobre o assunto parece contribuir para a ampliação das discussões e para fomentar o desenvolvimento das investigações sobre os temas relacionados.
Justificativa
O que são as estrangerias? O que é o estrangeiro? Basicamente é tudo e todos que são considerados “outros”, que não fazem parte de…, que não estão incluídos, que não se compõem das mesmas características que os “nós”, que são formulados a partir de uma identidade que prescinde da igualdade e recusa a diversidade. Trata-se de um debate acerca da alteridade que teve início com as grandes conquistas marítimas realizadas a partir do século XV, especialmente com o estabelecimento das colônias europeias na América e África e com o “descobrimento” de novas civilizações. A identificação dos Outros e o desenho das fronteiras entre “eles” e “nós” teve lugar na modernidade, nas ideias do iluminismo e no posicionamento do homem como o centro do conhecimento e das práticas humanas que passaram a ser assumidas e afirmadas por essa cultura. As discussões em torno do tema ganharam espaço nos debates dos intelectuais do século XX, através de trabalhos que pensaram a Modernidades e o surgimento do Sujeito e da subjetividade, considerando que o “homem” (definido por essa época) está definido por relações bipolares (e inclusive maniqueístas) que lhe forjam identidade e delinearam seus comportamentos, seus hábitos morais, suas práticas políticas e mesmo suas verdades científicas. Michel Foucault aparece como um dos principais teóricos do século XX que identifica e questiona as dicotomias inauguradas pela Modernidade: loucura e razão, anormalidade e normalidade, ilegalidade e legalidade, subjetividade e submissão, entre outras. Nesse sentido tematiza as fronteiras de uma identidade humana moderna que forja o “homem” como “natural”, “racional”, “instintivo”, “delinquente”, “sexual”, “homem”, “mulher”, “não-louco”,... Uma identidade como tal busca estabelecer os Mesmos, dia respeito a um “nós”, o qual está num espaço que não permite o diverso, que não alberga um dos lados ao mesmo tempo que o estabelece como “outredade” distante e a reafirma, já que é no “outro” que a identidade de um “nós” pode erigir-se.
Ora, onde ficam os outros que estão fora desse espaço histórico e social onde habitam os Mesmos? Que espaço outro é este que guarda os excluídos? Na investigação de Michel Foucault estes espaços fazem parte do mesmo mundo, mas podem estar cercados por muros e demarcados por sistemas de vigilância e controle (Panóptico por exemplo) que garante a existência das estrangerias mas as mantém invisíveis. Na mesma linha, mais recentemente estudiosos como Deleuze e Antoni Negri, identificam que o controle já não necessita dos muros, os “externos” (outers, estranhos, estrangeiros) são mantidos em sua distância e invisibilidade a partir do próprio funcionamento da sociedade que impõe sutilmente leis que funcionam em correlações de poder entre as partes. Não distante disso, a filósofa e feminista estadunidense Judith Butler considera certos grupos “outers” que costumam sequer entrar no jogo da Sociedade de Controle, sendo completamente apagados da história. São homossexuais, prostitutas, certas tribos urbanas e indivíduos que se inscrevem sob uma definição de sexualidade, ou mesmo de gênero, que não tem espaço nesse território ocidental atual.
Ao ampliar o debate para o contexto histórico atual, falar do “estrangeiro” não é só considerar os “outsiders”, como fazia Malinowski ao estudar as populações aborígenes da Austrália no início do século XX, por exemplo. O estrangeiro já não é esse “outro” que está “fora” (outer), num seu universo cultural, num seu mundo que também é “outro”; já não é o “selvagem” em contraposição aos “civilizados” ou o anormal contrapondo ao “normal”; já não está incluído num contexto que bipolar, mas diverso, múltiplo, polivalente. Em certa medida a ideia de identidade, ao menos como foi considerada modernamente, perdeu seu sentido e se pode ser reconsiderada será desarticulada e reformulada a partir da diversidade. De tal sorte, as fronteiras da estrangeria se traçam de forma cada vez mais ténues, assim como as dicotomias que definem a alteridade passam se opor mais sutilmente, chegando formas mais sofisticadas de separação.
Geográfica e politicamente falando, as fronteiras “reais” do mundo começam a ser um tema questionável há algumas décadas. A atual crise econômica parece ter acentuado a questão e mesmo que o fim de nenhuma divisa territorial tenha sido efetivamente proposto (até o momento), presenciamos muitas uniões entre países: EU, Conesul, etc… São formas de intersecção e movimentos de intercâmbio de produtos, dinheiro, informações, influencias, que acabam por reestabelecer os limites do Outro. O estrangeiro, no sentido literal do termo, é um cidadão cada vez mais frequente em diferentes nações do mundo e sua condição é um tema que cresce não só nos círculos intelectuais, mas também nas políticas públicas, nas reuniões das cúpulas entre países e nas reivindicações dos movimentos sociais e dos grupos considerados minoritários. Diante de um contexto de Globalização, interfronteiras e uniões continentais, no perguntamos se continua fazendo sentido falar de estrangeiros? Diante do gigantesco cosmopolitismo que atravessa nossas sociedades ocidentais, como se situam esses “externos”? Como as nações, e as culturas ocidentais em geral, tem manejado e mantido suas identidades (sejam nacionais, sejam individuais) ocultando e fazendo transparentes pessoas e grupos considera-os “outers”?
Diferentes teóricos da atualidade e diferentes abordagens podem ser investigadas a fim de tematizar estas questões. Se por um lado, teoricamente, a separação entre “nós” e “eles” começa a se dissolver e a se flexibilizar, podendo inclusive o mesmo indivíduo oscilar entre um lado e outro, conforme o contexto (ou mesmo podendo ocupar o lugar de “nós” e de “eles” simultaneamente), num plano ético e político os problemas parecem se agravar. Tanto migrantes _ como o caso dos milhares de latinos nos Estados Unidos; ou as comunidades originárias do Magreb na Europa; ou os inúmeros indianos em Dubai_ quanto os cidadãos que são marcados pela estigma de alguma estrangeria_ como os homossexuais, os deficientes, as prostitutas, as mulheres, os pobres, os negros, e todo o infinito de “outredades” que caracterizam nossas populações _ se encontram demarcados por certas fronteiras que lhes são impostas e que determinam sua necessária invisibilidade.
Ainda que se encontrem “dentro” desse espaço que não é o seu, e que não é permitido que assim seja, estão “fora” dele e devem permanecer assim: ocultos, invisíveis, apagados e apartados da superfície que sim habitam mas que não pode (e não deve) ser alterada em nada pela sua presença. Para impor tal invisibilidade, muitas estratégias que se articulam dentro dos enraizados jogos de poder sociais, como as políticas públicas, as leis de imigração, os preceitos morais, as práticas culturais e mesmo os conhecimentos científicos se estruturam de modo a regulamentar não só o ocultamento desses “outros” mas também a cegueira dos “nós” em relação a eles. No caso dos “sem papéis” (especialmente nos EUA) a invisibilidade lhes propõe a garantir a estadia. No caso das prostitutas da rua X, a transparência lhes garante o trabalho e a permanência na rua, sem que ninguém questione sobre a clientela. No caso dos Muçulmanos na Europa, a saudação doméstica à Meca lhes permite a crença. Porém, o que aconteceria se essa transparência se tornasse opaca? O que acontece quando certos invisíveis aparecem? O que fazem os cegos quando já não podem que sim enxergam?
Exemplos disso são os protestos dos excluídos em Nova Iorque e na Europa; é a marcha Gay em vários países do mundo; é a marcha das vadias em Brasília; a revolução de Printemps em Egito, Tunísia e Líbia. Nesse sentido, as novas tecnologias, as redes sociais e as velozes formas de comunicação inter-nacionais acabam por impor outras regras, demarcar outros espaços e abrir outras fronteiras de modo a reconfigurar as relações de alteridade.
O tema proposto para o Simpósio tem muitos desdobramentos, tanto no presente como ao longo da história. Os limites do espaço que pode, deve, deveria e de fato ocupam os “estrangeiros” é amplo, relevante, e permite um debate interdisciplinar que pode contribuir para o enriquecimento das reflexões dentro de diferentes abordagens e investigações.
O objetivo do Simpósio é o fomentar o debate sobre temas como identidade e diversidade, nacionalismo, fronteiras, novos êxodos, migrações, globalização, exclusão e inclusão, formação de subjetividade, discriminações de gênero (raça, religião e outras). Do mesmo modo, são relevantes os reflexões que contemplem as estratégias de manejo e a redefinição das fronteiras das estrangerias. Em linhas gerais, a proposta é a de reunir investigadores e estudiosos que possam colocar em questão o “estrangeiro” e os limites de sua invisibilidade, discorrendo acerca das problemáticas que o tema suscita.
Referencias Bibliográficas
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