Lendas do Sul
O negrinho do pastoreio
* * *
O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando calado, em todo o caminho. A
cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a meia
espalda… O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.
E conforme apeou-se, da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque
e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.
Na madrugada saiu com ele e quando chegou no alto da coxilha falou assim:
— Trinta quadras tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficarás aqui pastoreando a
minha tropilha de trinta tordilhos negros... O baio fica de piquete na soga e tu ficarás de estaca!
O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pastando.
Veio o sol, veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O Negrinho, varado de fome e já sem força nas
mãos, enleou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.
Vieram então as corujas e fizeram roda, voando, paradas no ar, e todas olhavam-no com os olhos
reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se dele, paradas no ar,
sem barulho nas asas.
O Negrinho tremia, de medo... porém de repente pensou na sua madrinha Nossa Senhora e
sossegou e dormiu.
E dormiu. Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou;
passaram as Três-Marias: a estrela-d’alva subiu... Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram
o Negrinho e cortaram a guasca da soga. O baio sentindo-se solto rufou a galope, e toda a tropilha
com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.
O tropel acordou o Negrinho; os guaraxains fugiram, dando berros de escárnio, os galos estavam
cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que tapava tudo.
E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.
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