Lendas do Sul
O negrinho do pastoreio
* *
Um dia depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que
a parada fosse para os pobres; o outro que não, que não! que a parada devia ser do dono do
cavalo.que ganhasse. E trataram: o tiro era trinta quadras, a parada, mil onças de ouro.
No dia aprazado, na cancha da carreira havia gente como em festa de santo grande.
Entre os dois parelheiros, a gauchada não sabia se decidir, tão perfeito era e bem lançado cada
um dos animais. Do baio era fama que quando corria, corria tanto, que o vento assobiava-lhe nas
crinas; tanto, que só se ouvia o barulho, mas não lhe viam as patas baterem no chão... E do mouro
era voz que quanto mais cancha, mais agüente e que desde a largada ele ia ser como um laço que
se arrebenta...
As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos contra rebanhos e
redomões contra lenços.
—Pelo baio! Luz e doble!…
—Pelo mouro! Doble e luz!...
Os corredores fizeram as suas partidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última,
fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando o corpo, de rebenque no ar, largaram,
os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta...
— Empate! Empate! — gritavam os aficionados ao longo da cancha por onde passava a parelha
veloz, compassada como numa colhera.
— Valha-me a Virgem madrinha, Nossa Senhora! — gemia o Negrinho. — Se o sete-léguas perde,
o meu senhor me mata! hip! hip! hip!...
E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.
— Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!... retrucava o outro corredor. Hip! hip!.
E cerrava as esporas no mouro.
Mas os fletes corriam, compassados como numa colhera. Quando foi na última quadra, o mouro
vinha arrematado e o baio vinha aos tirões… mas sempre juntos, sempre emparelhados.
E a duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de supetão, pôs-se em pé e fez
uma caravolta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz
aberta! E o Negrinho, de em pêlo, agarrou-se como um ginetaço.
— Foi mau jogo! — gritava o estancieiro.
— Mau jogo! — secundavam os outros da sua parceria.
A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de um torena coçou o punho da
adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um virou as esporas para o peito do pé... Mas
o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tíaraju, era um juiz macanudo, que já tinha
visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem:
— Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro, Quem
perdeu, que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha buscá-las. Foi na lei!
Não havia o que alegar. Despeitado e furioso, o estancieiro pagou a parada, à vista de todos, atirando
as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.
E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir tambeiros e
leiteiras, côvados de baeta e haguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio. Depois as carreiras
seguiram com os changueiritos que havia.
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