Lendas do Sul
O negrinho do pastoreio
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NAQUELE TEMPO os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas;
somente nas volteadas se apanhava a gadaria xucra e os veados e as avestruzes corriam sem
empecilhos...
Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e meias-doblas e
mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau, muito.
Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante; no inverno o fogo da sua
casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entanguir gente, que a sua porta não se
abria; no verão a sombra dos seus umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água
das suas cacimbas.
Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade dar-lhe um ajutório; e a
campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer
um churrasco de tourito magro, farinha grossa e erva-caúna e nem um naco de fumo… e tudo,
debaixo de tanta somiticaria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava
lonqueando...
Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma mosca,
para um baio cabos-negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo, pequeno
ainda, muito bonitinho e preto como carvão e a quem todos chamavam somente o — Negrinho.
A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem, Senhora
Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.
Todas as madrugadas o Negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia os avios do
chimarrão e à tarde sofria os maus tratos do menino, que o judiava e se ria.
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