O pobre Tupaveraba

João Rimuito, no dia 24 de junho de 1888, escreveu “O pobre Tupaveraba”, no jornal A Ventarola, com circulação em Pelotas. O texto nem seria lembrado se João Rimuito não fosse ninguém menos que João Simões Lopes Neto. Esse era um dos seus clássicos pseudônimos.

No pequeno texto, escrito em versos, Simões usa a sátira como artifício para a crítica social. Atualmente fica difícil entender o sentido de crônicas como esta, porque elas fazem alusão a acontecimentos cotidianos, que tiveram repercussão momentânea. O assunto deve ter sido muito comentado nas rodas de conversa em Pelotas naquela época.

Segundo o pesquisador Luís Borges, um escravo chamado Tupaveraba havia morrido com suspeita de envenenamento, o que gerou uma polêmica entre vários médicos, que com o incentivo da imprensa eram convocados a dar sua opinião. No auge da controvérsia, um deles chegou a afirmar que concluíra que o escravo poderia ter sido envenenado ou não Simões Lopes, aproveitou-se da situação para tecer seu comentário. Segundo Borges, “Ele tinha uma postura positivista, era adorador da ciência e do progresso e por isso pode parecer contraditório que ele lançasse farpas tão sarcásticas à classe médica. Mas acontece que ele sofria de estrabismo, e quando jovem passou por uma cirurgia malsucedida que acabou por agravar seu problema de visão e esse fato marcou fortemente suas obras literárias. Sempre que podia, não perdia a oportunidade de ridicularizar os médicos, acusando-os de charlatães e inábeis”. Além de acrescentar dados à biografia do escritor, o texto praticamente inédito representa uma inovação em termos de estilo literário, já que o poema, classificado por quem o transcreveu como um triolé, realmente parece, mas na verdade nãoé um legítimo triolé.

O triolé é uma forma fixa de poema com oito versos, muito utilizado na época. Simões Lopes Neto conseguiu modificar, com bastante ousadia, esse padrão literário e inovou onde não havia como inovar. No poema, é possível reconhecer elementos de oralidade que posteriormente foram trabalhados pelo autor em seus “Contos Gauchescos”.

Triolé transcrito em grafia original

I
O pobre Tupaveraba
(Envenenado - sim ou não?)
Depois de morto retorna
Às luzes da discussão
O pobre Tupaveraba
(Envenenado - sim ou não?)

II
Vários Hipocrates gordos,
Varios galenos magros
Fulminam sem dó, nem pena:
É polvilho! Qu’envenena!?…
Varios Hipocrates gordos,
Varios galenos magros,

III
E rugem uns, riem outros,
Do - digo eu - diras tu?
- Tomou veneno o João!
- Não diga tal heresia!
- Senhores! Que gritaria!
- Apoiado! Tens razão!
E rugem uns, riem outros,
Do - digo eu - diras tu?

Mas,
O outro coitado, dorme em paz.


Pelotas,
João Rimuito

J. Simões Lopes Neto       Volta ao início da página