Lendas do Sul
A salamanca do Jarau

O CERRO DO JARAU 1
A Salamanca 2
I

ERA UM DIA...

um dia, um gaúcho pobre, Blau, de nome, guasca de bom porte, mas que só tinha de seu um cavalo gordo, o facão afiado e as estradas reais, estava conchavado de posteiro, ali na entrada do rincão; e nesse dia andava campeando um boi barroso.

E no tranqüito andava, olhando; olhando para o fundo das sangas, para o alto das coxilhas, ao comprido das canhadas; talvez deitado estivesse entre as carquejas — a carqueja é sinal de campo bom —, por isso o campeiro às vezes alçava-se nos estribos e, de mão.em pala sobre os olhos, firmava mais a vista em torno; mas o boi barroso, crioulo daquela querência, não aparecia; e Blau ia campeando, campeando…

Campeando e cantando:

Meu bonito boi barroso.
Que eu já contava perdido,
Deixando o rastro na areia
Foi logo reconhecido.

Montei no cavalo escuro
E trabalhei logo de espora;
E gritei: aperta, gente.
Que o meu boi se vai embora!

No cruzar uma picada,
Meu cavalo relinchou.
Dei de rédea para a esquerda,
E o meu boi me atropelou!

Nos tentos levava um laço
De vinte e cinco rodilhas
,
Pra laçar o boi barroso
Lá no alto das coxilhas!

Mas no mato carrasqueiro
Onde o boi ‘stava embretado
,
Não quis usar o meu laço,
Pra não vê-lo retalhado.

E mandei fazer um laço
Da casca do jacaré,
Pra laçar meu boi barroso
Num redomão pangaré.

E mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga,
Pra laçar meu boi barroso
Lá no passo da restinga.

E mandei fazer um laço
Do couro da capivara
Pra laçar meu boi barroso
Nem que fosse a meia-cara;

Este era um laço de sorte,
Pois quebrou do boi a balda...

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No tranqüito ia, cantando, e pensando na sua pobreza, no atraso das suas cousas.

No atraso das suas cousas, desde o dia em que topou — cara a cara! — com o Caipora num campestre da serra grande, pra lá, muito longe, no Botucaraí...

A lua ia recém-saindo...; e foi à boquinha da noite....

Hora de agouro, pois então!...

Gaúcho valente que era dantes, ainda era valente, agora; mas, quando cruzava o facão com qualquer paisano, o ferro da sua mão ia mermando e o do contrário o lanhava...

Domador destorcido e parador, que por só pabulagem gostava de paletear, ainda era domador, agora; mas, quando gineteava mais folheiro, às vezes, num redepente, era volteado...

De mão feliz para plantar, que lhe não chocava semente nem muda de raiz se perdia, ainda era plantador, agora; mas, quando a semeadura ia apontando da terra, dava a praga em toda, tanta, que benzedura não vencia...; e o arvoredo do seu plantio crescia entecado e mal floria, e quando dava fruta, era mixe e era azeda...

E assim, por esse teor, as cousas corriam-lhe mal; e pensando nelas o gaúcho pobre, Blau, de nome, ia, ao tranqüito, campeando, sem topar coo boi barroso.

De repente, na volta duma reboleira, bem na beirada dum boqueirão sofrenou o tostado...; ali em frente, quieto e manso, estava um vulto, de face tristonha e mui branca.

Aquele vulto de face branca... aquela face tristonha!...

Já ouvira falar dele, sim, não uma nem duas, mas muitas vezes...; e de homens que o procuravam, de todas as pintas, vindos de longe, num propósito, para endrôminas de encantamentos…,conversas que se falavam baixinho, como num mêdo; pro caso, os que podiam contar não contavam porque uns, desandavam apatetados e vagavam por aí, sem dizer cousa com cousa, e outros calavam-se muito bem calados, talvez por juramento dado....

Aquele vulto era o santão da salamanca do cerro.

Blau Nunes sofrenou o cavalo.

Correu-lhe um arrepio no corpo, mas era tarde para recuar: um homem é para outro homem !... E como era ele quem chegava, ele é que tinha de louvar; saudou:

— Laus’Sus-Cris’!…

— Para sempre, amém! disse o outro, e logo ajuntou: O boi barroso vai trepando cerro acima, vai trepando... Ele anda cumprindo o seu fadário...

Blau Nunes pasmou do adivinho; mas repostou:

— Vou no rastro!...

— Está enredado...

— Sou tapejara, sei tudo, palmo a palmo, até à boca preta da furna do cerro…

— Tu... tu, paisano, sabes a entrada da salamanca?...

— É lá?... Então, sei, sei! A salamanca do cerro do Jarau!... Desde a minha avó charrua, que ouvi falar!...

— O que contava a tua avó?

— A mãe da minha mãe dizia assim:

Continua...

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