Cancioneiro guasca
Resposta ao voluntário

Cá por estes velhos pagos,
Amigo! teu versos li;
Quis cantá-los à viola
Mas a toada perdi;
E de amor meio abombado,
Dessa tenção desisti.

Do teu tordilho tu choras
A dura separação,
E as saudades que tens
Dos pagos do teu rincão,
Saudades do bom churrasco
E do mate-chimarrão!...

Ah!... por Deus! que é vida triste
Essa vida que aí passas!...
Sem poder furtar a volta
Por mais quebrasdas que faças
à fome, sede, e fadigas,
Desaforos e pirraças...

Essa vida desastrada,
Como tu, eu já passei;
O vigor da mocidade
Nesse lidar eu gastei:
E por velho e estropeado,
Agora à soga, fiquei.

De fome andava delgado
Como por lá andarás
Sem um peludo no bolso
Que também tu não terás.
Com porteiras pelas botas,
Calças rotas por detrás.

E além de tal miséria
Ralhos, gritos, cara feia
Às vezes por quem não vale
Nem sequer pataca e meia...
Por quem sente o garrão frouxo
Na mais pequena peleia.

Se as rações nos adelgaçam,
O soldo, inda mais chorado,
Vem sempre muito de espaço
Como um matungo cansado...
E deixa a cola escondida
Pois lá fica o - atrasado - !...

Quando os ossos estendemos
Depois do rude lidar,
As cornetas e tambores
Do sono vêm nos tirar,
E da cama improvisada
Pronto nos fazem saltar.

Assim sempre aperreado
Um alentado gaúcho
Tendo leve a algibeira
E ainda mais leve o bucho
Passa a vida de reiúno
Até dar o último pucho.

Se na frente do inimigo
É guapo, forte, atrevido,
Mesmo assim pode ficar
Na promoção esquecido
Se por cá... tiver votado
A favor dum só partido.

Mas enfim, servir a pátria
Seus contrários combater
Do brasileiro soldado
É nobre e santo dever...
Que apesar de mil trabalhos,
Ele não deve esquecer!



Também, como tu, amigo,
De amor eu fui pealado,
E mesmo sendo um bagual
Um tanto ressabiado...
Mais de uma guapa moça
Me trouxe palanqueado...

Se, por muito esporeado,
Coicear eu pretendia,
Um mancarrão me tornava,
Quando a bela me sorria...
E buçal de couro zarro
Levava... se ela queria!...

Houve um tempo que, diziam,
Amor firme se encontrava,
Que assim como laço novo
Duros tirões agüentava!...
Minha avó assim dizia
Que sua avó lhe contava...

Porém hoje... que'esperança?
Falar nisso é pura asneira,
Que é rara a moça bonita
Que trinta amantes não queira,
E custa encontrar alguma
Que não seja volvedeira!...

Hoje as modas, meu amigo,
Baralhando tudo vão;
É moda as meninas terem
Moeda e não - coração... -
A ternura e lealdade
Trocam por qualquer botão.

A ausência de tua bela
Não chores, portanto, amigo;
Pois que talvez te julgando
Muito perto do perigo
Um outro amor procurasse
Do que o teu, menos antigo.

Podes crer que a tal menina
Já por cá embuçalou
Algum arisco matreiro
Que do rodeio escapou
E sem se parar estaca
Ao faxinal se atirou.

Esse, sim, andou na regra,
Pois perto da namorada,
Escapando como sorro,
De cair na volteada:
Tem sempre livre o pelego,
De bolaço ou estocada.

Uns maulas tais envergonham
Esta nossa heróica terra:
No Campo são... avestruzes,
E... quatis lá pela serra...
Assim que de longe sentem
Coisa que pareça guerra!...



Mas, Deus! Eu vou findar,
Com este largo sermão:
Memórias a esses bravos
Que contigo aí estão;
E se topares co'o Lopez
Prega-lhe um bom encontrão.

Para que, outra vez,
A quebralhão não se meta;
Com tuas fortes chilenas
Rasga-lhe bem a paleta,
E larga-o, depopis qu'esteja
Torto dum olho e maceta!

F. M. O.

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