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Casos do Romualdo
Onça enfreada
Isto passou-se em Minas Gerais, lá em cima, no Ribeirão das Gralhas.
Eu estava numas grotas, no fundo do mato grosso; tinha ido melar; era um dia
muito quente. E tinha ido montado numa mula ruça, de boa marcha e muito mansa.
Cheguei, escolhi o ponto de parada, tirei o freio à mula e atei-a pelo cabresto,
para ela ir roendo algum criciúma que por ali havia.
Era a pino do meio-dia.
Deu-me uma lombeira... uma preguiça... que não lhes digo nada! ... Peguei a
cochilar. Dormi. E anoiteceu. Escuro, como breu! E dentro do mato! Então.., só mesmo
quem nunca viu o que é noite escura de mato.., o escuro é preto, o preto é negro, o negro e
retinto.
De repente, mesmo pesado de sono, senti faro de perigo. Olhei, e vi, na minha
frente, por entre as árvores, um grupo de bugres, ferozes, já de arco entesado e flecha pronta,
fazendo pontaria sobre mim! Se o luar não fosse tão claro ainda, talvez eu pudesse
esconder-me. Disfarcei, e fazendo que os não via, para os não alarmar, fui-me esgueirando
para trás, recuando, devagarinho, de mansinho recuando.
Com o intento - é claro! - de cavalgar a mula e fugir, tive a cautela de passar a
mão no freio, os arreios que ficassem!
Sempre recuando, e sem despregar os olhos dos bugres, de costas topei com
um animal que respirava forte; e sempre sem me voltar, atento aos índios, passei-lhe a cana
da rédea no pescoço, enfreei o animal, e quando, pelo tato, senti que estava pronto, montei-o
de salto, cravei-lhe as esporas e dirigi a montaria, procurando a beirada do mato.
Nesse instante os bugres descarregaram os arcos... as flechas ventaram em
volta de mim... mas era tarde - eu já estava fora do alvo!
Gesticulando, estorcendo-se, num alarido medonho, os selvagens saíram-me
nas pisadas.
E eu, vá espora!
Notei então que o animal era habilíssimo dentro do mato: não esbarrava nos
troncos, não se enredava nos cipós, não tocava nos espinhos, saltava pedras, pulava
buracos; apenas, por vezes, junto aos paus grossos, entreparava-se, fazendo menção de
querer subir por eles acima. Então, eu dava de rédea, e vá espora!
Enfim, ao clarear do dia, consegui chegar à aba do mato, sair para a várzea, que era a salvação.
Apeei-me, acendi o cigarro, e quando puxava a primeira tragada, atirei-me pra trás, apavorado!
Eu havia enfreado uma onça!
Montei uma onça, nela havia fugido, na onça atravessei a floresta!
Pode parecer exagero; mas tudo se explica: enquanto eu dormia, a onça havia
atacado e devorado a mula; os bugres, que isso viram, preparavam-se para flechar a fera e
não a mim, como supus, e daí, a minha precipitação em fugir deles; e de costas e no escuro,
julgando - de boa-fé - enfrear a mula, enfreei a onça e montei. Como nesse momento ela
estivesse meio engasgada com um pedaço de carniça, não urrou, e, depois de enfreada, não
pôde. E vai, como as esporadas doíam-lhe, ela obedeceu, disparou... e tanto, que os bugres
perderam-nos de vista.
Mas, como dizia: apeei-me, e vendo a onça, fiquei apavorado: e ela, sentindo-se
aliviada, também não esperou mais nada: miou de gato, e ganhou o mato!
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