Cancioneiro guasca
O gaúcho forte

Sou gaúcho forte, campeando vivo
Livre das iras da ambição funesta;
Tenho por teto do meu rancho a palha
Por leito o pala, ao dormir a sesta.

Monto a cavalo, na garupa a mala,
Facão na cinta, lá vou eu mui concho;
E nas carreiras, quem me faz mau jogo?
Quem, atrevido, me pisou no poncho?

Por Deus, eu digo! que já fiz, um dia,
Uma gauchada de fazer pasma:
De - ginetaço - ela deu-me o nome;
Tinha razão; eu lhes vou contar:

Foi que num dia numa bagualada,
Passei o laço num quebra, um puava;
Montei; ferrei-lhe na paleta a espora;
Ele ia às nuvens, porém eu brincava!

Mas, de repente, o animal se atira:
E sai correndo, pela várzea fora;
E eu, que, folheiro, lhe pisei a orelha,
Maneei as bolas, e o bagual estoura.

Gauchadas detas, tenho feito muitas,
Por isso ela me chamou um dia,
Rei dos monarcas, gauchão em regra!
Por Deus! te digo: que ela não mentia!

E, se duvidam, eu já marco a raia,
E que se enfrene parelheiro ousado;
Tiro ou parada; não reservo guasca;
E sou o juiz... de facãozinho ao lado!...

Lá no fandango, de botas e esporas,
Danço a tirana, o folgazão balaio;
E ainda mesmo que me dêempechadas,
Saio rolando, porém; qual! não caio!

Lá na cidade, qualquer um baiano,
Pode, sem susto, me passar buçal;
Mas, tenho consolo, que cornetas desses,
Cá nos meus pagos têm passado mal!...

Se lá me perco nas encruzilhadas;
Eles sorriem por me ver assim;
Aqui eu monto num cuerudo desses,
E rio, mesmo sem lhe dar mau fim.

Isto é que é vida; o demais é história;
E nem invejo do monarca a sorte;
Se a fronte cinge-lhe uma c'roa de ouro
Eu cinjo a c'roa de um gaúcho forte...

Se ele adormece em florido leito,
Sobre os arreios, é meu sono igual;
Se ele se nutre de iguarias mil,
Eu de churrasco, muita vez sem sal!

Não tenho trono onde vá sentar-me,
Nem falsa corte de adulação servil:
Mas sou a glória, perenal e eterna,
Da minha terra, do feliz Brasil!

Zeferino Vieira Rodrigues
(Camaquã)

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