Cancioneiro guasca
Iriema

(O Vaqueano - Revista do "Parthenon Literário" - 1892)
MOTE

Pode o céu produzir flores,
A terra estrelas criar:
Não pode o meu coração
Ser vivente sem te amar.

GLOSA

Pode do mundo a grandeza
Reduzir-se, em tudo, a nada
E ver-se também mudada
A ordem da natureza,
Esta vasta redondeza
Matizada de mil cores,
Pode o autor dos autores
Tornar em caos de repente
E deste modo igualmente
Pode o céu produzir flores.

Pode esse sol que alumia
Parar-se na grande altura,
Deixar de haver noite escura,
Sendo sempre claro o dia,
Pode também água fria
Ferver sem fogo e queimar,
Podem os montes falar,
Tornar-se planície a serra,
O peixe viver sem terra
A terra estrelas criar.

Podem as águas correr
Às avessas do costume,
Subindo ao mais alto cume
E não poderem descer,
Podem as brenhas gemer
Amar e sentir paixão
Quando trago à coleção
Tudo pode acontecer,
Mas deixar de te querer
Não pode o meu coração.

Pode esse Deus das alturas
Secar as águas do mar,
O pau no forro contar,
A neve no fogo arder,
Também pode acontecer
O vento nunca reinar
E enquanto o mundo durar
Seja parado e não rode
Mas meu coração não pode
Ser vivente sem te amar.

Pedro Muniz Fagundes
(Vulgo - Pedro Canga - Herval)

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