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Casos do Romualdo
Ataque de marimbondos
Certa ocasião tinha eu ido caçar uns tatus-rosqueira. Lindo dia: céu azul, sol a pino,
nem nuvens, nem ventos, aragem branda.
Havia já sangrado uns quantos tatus e agora divertia-me a ver os restantes, cujas
caudas eu destorcera, ocupados em atarraxarem-se novamente.
Estava, pois, mui quieto, moita, ativo apenas de olhos. Eis quando, adiante, vejo
alguma cousa estranha: uma como nuvem escura, que subia e descia, alongava-se, adelgaçava-se,
adensava-se. Pé ante pé, fui me aproximando. Houve então um confuso zumbimento irritado,
forte, e, com extraordinária surpresa, verifiquei que era um colossal enxame de marimbondos!
Camoatins dos de barriga riscada, uns de grande ferrão, os mais ferozes que
conheço. E, deitado no chão, tranqüilamente dormindo, um homem. Sujeito gordo, claro, muito ruivo.
Contra o meu hábito, fiquei embaraçado para tomar uma decisão.
Acordar o homem?
Sim mas no ele mover-se, aquele perigoso exército de camoatins caia-lhe em cima
e deixava o infeliz como um crivo, a poder de ferroadas!
Deixá-lo dormir? Mas, e depois?
A massa dos marimbondos crescia cada vez mais. O camoatim - a casa - que se via
num galho da árvore que abrigava o ruivo, não podia comportar, era pequeníssima para tantos
habitantes como os que revoavam por sobre o dorminhoco.
Reparei então que toda aquela massa escura e movediça dividia-se em lotes, que se
não misturavam nem confundiam. Naturalmente o povo camoatim ameaçado passou aviso aos
vizinhos mais de perto e cada um mandou um destacamento para reforçar a defesa comum.
Mas por que não atacavam eles? Por que não caíam sobre o homem, quando se
sabe que camoatim não observa cerimônias para travar e ferrão em quem quer que seja?
Ao contrário, parecia que eles hesitavam, consultavam-se.
Nisto apareceu uma outra nuvem de marimbondos, dos amarelos.
Xi Deus! Era mangangás, estes, os temíveis mangangás amarelos, cuja picada dói...
dói.., dói desde a véspera até o dia seguinte!
Compreendi, então: os camoatins, habituados só com a nossa gente - morena e de
cabelos pretos - estranhavam e desconheciam aquele claro e ruivo. Temeram talvez que fosse
algum mangangá colossal, e para certificarem-se chamaram aquele piquete de amarelos.
Os mangangás, para começar o exame, puseram-se a passear sobre a cara do
adormecido; fizeram-lhe cócegas no nariz: ele soprou-lhes; mexeram-lhe nas barbas: ele abanou-os
com mão incerta.
Eu estava pasmo, apreciando a inteligência daqueles insetos quando o pau a que
achava-me encostado estalou faltando-me o apoio quase caí e as ramas, violentamente
sacudidas, bateram nos marimbondos.
Camoatins e mangangás viram-me, conheceram que eu era patrício - pela cor e
pelos cabelos - e caíram-me em cima como uma chuva batida do vento!
Nessa emergência, com o sangue frio que nunca me abandona, corri para a fogueira
que havia feito, e onde, por boa sorte, na ocasião, fervia a água que eu trouxera, para chimarrão.
Agarrei a chaleira, destampei-a, meti dentro a bomba do mate, e chupando grandes
goles de água fervente, tornava logo a expeli-los, pela própria bombinha, com força, em forma de
chuveiro regador; assim arranjei uma verdadeira defesa de água quente contra aquele horrível
ataque.
Esta manobra deu-me uma ligeira folga, que aproveitei soprando o fogo até puxar
labareda e atirando-lhe em cima umas braçadas de gravetos e ramas, que logo incendiaram-se,
produzindo uma fumaçada espessa. Era tempo.
Quando o bicharedo voltou à carga, já topou com a parede de fumaça. Então
apanhei mais umas ervas secas, prendi-lhes fogo e corri em socorro do homem ruivo, que dormia ainda.
Acordei-o a gritos e vim-no trazendo são e salvo, dentro da fumaça, cercados ambos
por urna muralha viva de camoatins e mangangás enfurecidos.
E entre o fatigante trabalho de arranjar faxina para manter a fumaceira, que seria a
nossa garantia única contra os ferrões daqueles marimbondos, suando em bica, espinhados, com
fome e com sede, fui explicando ao companheiro o perigo a que ele escapara, graças a mim, e de
que não me escapei eu, graças a ele.
O alemão - era alemão, o ruivo - agradecia comovido.
Labutamos toda a tarde; ao escurecer, foi abrandando o ataque, e por fim só noite
fechada conseguimos retirar.
Pensei então em levantar os tatus que havia morto e ao mesmo tempo tomar o meu
casaco e poncho-pala, que havia estendido ali perto, nuns galhos.
Caso esquisito! Os tatus mortos, uns quinze, mal lhe toquei, desfizeram-se por
completo... estavam reduzidos a farelos, de tantas ferroadas que levaram; o pala e o casaco,
esses, então (periga, mas é verdade o alemão viu tão bem como eu!) o casaco e o pala, ia pegá-los
e eles desfaziam-se; tocava-lhes, eles esfarinhavam-se; sacudi o galho, desfizeram-se em
pedacinhos, como um bolinho de polvilho; como cinza!
Atinei, então.
Os marimbondos, não podendo ferretoar-me e ao alemão, por causa da fumaça, em
vingança estragaram a caça e a roupa.
O alemão, esse, estava apavorado!
- "Pichiches prapes, hein, Romualte!" dizia ele.
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