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Casos do Romualdo
A morte do Gemada
Ah! descuidos! descuidos! Quanta desgraça, quanta perda, quanta tristeza eles
causam, e a gente não se emenda, sempre a cair neles!
Por um descuido tive já um grande desgosto. Foi assim:
Andávamos numa caçada de tatus.
Havia muito.
Para não perder tempo a cavar o buraco até tirar o tatu, e enquanto cuida-se de um,
outros escapam-se, eu usava assinalar as tocas: a primeira, a segunda, etc. e assim por diante as
que encontrava ocupadas, de forma que num momento garantia seis, oito, dez tatus.
Para assinalar o processo é simplíssimo: achado o tatu, cava-se um pouco, até
descobrir-lhe a cauda, e então, com uma embira ou cipó, amarra-se na dita cauda uma estaca,
formando cruz. E pronto. Larga-se. O tatu procura logo cavar pra diante, é claro, mas não avança,
que a cruz do rabo, ficando atravessada na boca da toca, não deixa.
Percebem?
Experimentem: não nega fogo!
Pois um dia, não tendo à mão uma estaca, e para não perder tempo, amarrei pelo
rabo um enorme tatu ao cabresto do meu estimado cavalo baio, o Gemada.
O tal senhor tatu foi cavando, cavando, entrando terra adentro: o cavalo, muito
dócil, sentindo-se puxado, cedendo e foi indo.
E o tatu foi penetrando e o cavalo foi cedendo.
A boca da toca era grande; o Gemada, muito manso, meteu o focinho, a cabeça, lá
dentro; o tatu puxou mais e o cavalo cedeu, ainda. Quando não pôde ceder mais, e justamente por
isso, o tatu fez ainda maior finca-pé. Quem é caçador sabe que força tem no rabo o tatu.
Travou-se por certo luta renhida: o cavalo puxando para fora e o tatu para dentro.
Quando voltei ao lugar encontrei o meu Gemada sufocado, asfixiado, morto, com a
cabeça como uma rolha metida no gargalo da toca! E ainda perdi o cabresto, que tive de cortar.
Quase um ano depois, vim a pegar aquele mesmíssimo tatu, que conheci porque
ainda trazia de arrasto o dito cabresto apenas com as argolas mui gastas de roçarem pelo chão.
Uma cousa de admirar foi o bem atado que ficou; verdade que fiz - como de costume - um nó de
soga, a preceito, legítimo nó de Romualdo!
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