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Cancioneiro guasca
Amigo Juca
Cá cheguei,
Da marcha um pouco delgado,
Mas os pastos da cidade
Já me têm embarrigado.
Achei encosto e abrigo,
E mui regular aguada;
Para um homem da coxilha
Não é má esta invernada.
Mas assim um pouco arisco,
Sempre as orelhas trocando,
Vejo coisas mui estranhas
Que vão me ressabiando.
Como avestruz na macega,
Nas ruas vivo enredado,
Sem querer, gambeteando,
Para um e outro lado.
Usam aqui as muchachas
Uma tal saia e balão;
Coisa feia, amigo Juca,
Por Deus e um patacão!
São tão duras as tais saias.
Como a casca do tatu;
Tem mais voltas que a mangueira
Lá do cerro do Baú.
Quando passeia uma moça
Vai rodando como a lua...
Se ela fica embarrancada...
Adeus, caminho; adeus, rua!
Corcoveando mui feio
Anda sempre o tal balão;
Prega às vezes cada tranco
Que nem bagual quebralhão!...
Por vida! que toma campo
Capaz de dar um potreiro;
Em caso de temporal
Pode servir de telheiro!
Essa madama tem feito
Muito mal, meu bom amigo;
E já de golpe vou dar-te
A razão do que te digo.
Tu não ignoras, amigo,
Que mesmo eu sendo um gaúcho,
Lá nessas coisas de amor
às vezes dou o meu puxo.
A tua prima Nicota
Desses pagos era a luz,
E sempre entre guapas moças
Fazia primeira ou flux.
Por Deus, que nesse rincão
Não encontrava parelha;
Em prendas e formosura
Ninguém lhe sacava orelha!
Quando ao rufo da viola
A tirana aí dançava,
Era um gosto, amigo, ver
Como ela se maneava!...
Com saudade inda me lembro
De um dia em que lá cantei,
E de amores abombado,
Este verso lhe botei:
- És branca como jasmim,
Colorada como a rosa
Por treu amor eu daria
Um terneira barrosa! -
Que o pealo era p'ra ela,
Logo a menina entendeu:
E sem cortar-me a partida,
Ligeiro, me respondeu:
- Não sou jasmim nem sou rosa,
Eu sou no mais um botão;
Guarda lá tua terneira,
Só quero teu coração! -
Como um changueiro na cancha
Alegre fiquei, amigo,
E fresco retouçaria
Inda que visse o perigo!
Qual aspa de boi brasino
Nessa hora me senti...
Só lhe disse - Deus lhe pague!
Pois quase a fala perdi!...
Louco e cheio de amor,
Andava como um demônio,
E já queria meter-me
No curral do matrimônio...
Qual um mancarrão cansado
Que mal apenas tranqueia
Fico hoje abichornado,
Quando me vem tal idéia...
Parece que a minha bela
Por lá sentiu a mutuca,
Deixou a querência velha,
Ficou perdida, meu Juca.
Encontrei-a um dia destes;
- Caramba, que bicho feio! -
Era uma saia que andava...
E ela, fincada no meio!
Andei-lhe por de redor,
Como boi lá na atafona,
E gritei-lhe bem de rijo:
- Deus lhe dê saúde, Dona!...
A mão lhe quis apertar
Espichando bem o braço;
Cuê-pucha! se estava longe!
A um comprimento de laço!...
Mais triste que um reiúno,
Nessa hora me senti...
Tinha a menina mais bojo
Que o cerro do Botovi!
- Entonces, fica de largo?...
(Me diz ela, meio arisca)
Seu Manduca, não me acha
Um tanto ou quanto faísca?... -
Cuê-pucha!... (lhe retruquei)
Como hei de arrimar,
Se só tiro de bolas
Daqui lhe posso chegar?...
Nisto chega um cajetilha
Mui alegre e rufião
Acolherou-se com ela...
E já me ganhou de mão!
Fiquei boqueando, amigo,
Enquanto a minha adorada,
Levava tudo por diante,
Como tropa em disparada!
De certo o tal roseteiro
Daquele lado, tem rasca...
Hei de escorá-lo... e talvez
Lhe faça engolir a masca...
Escarvando como um touro
Ali havia ficado;
De repente me senti
P'ra diante repontado:
Era uma ponta de moças.
Cada qual com a tal saia...
Podia uma só cobrir
O cerro de Sapucaia!...
E de golpe se elevando
Uma forte ventania,
Por esses ares, amigo,
Eu pensei que tudo ia.
Quis fugir a toda rédea,
Porém mui feio rodei,
E, como sorro manhoso,
Aí, deitado, fiquei.
Os tais balões das muchachas
Redemoinhavam à toa,
E vi, meu Juca, perninhas,
Como junco de lagoa!...
Os tais balões, meu amigo,
Trazem smpre grande mal,
Às vezes, de couro fresco,
Nos fazem levar buçal...
Com eles as vivarachas
Ganhando vão a parada...
E depois o que encontramos?...
Casca, só casca, mais nada?...
Pois vou esbarrar o pingo
Que já vai meio aplastado;
Por outra vez te direi
Um mais comprido recado.
Memórias à tia Rosa
E à comadre Maruca;
E no mais, manda a quem é,
O teu compadre, Manduca.
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