A mandingaEsta Nham Pombinha era uma verdadeira mulher - homem ilustrado. Que termos seletos! Que pureza no frasear! Que elegância no dizer. Apreciemo-la a um poucochincho na vida íntima. Ela mesmo o dizia: Pela manhã, tomava sempre um frágil pires de elementos de mingau. Tomava ao almoço, quentes e chupadinhos na casca, dois ou três produtos espontâneos da esposa do galo!... À noite, como o chá, roía uma ou duas tênues imponderáveis como o sonho de uma virgem e a que o vulgo chama de torradas!... De uma vez, estando o marido doente, ao médico que viera examiná-lo disseraruborisando-se toda, no fogo da modéstia: - Senhor doutor, o meu marido é muito superabundante; qualquer invasão de orvalho matutino nauseabunda-lhe os intestinos; quando dorme, fica incógnito e pode-se fazer dele o que for aplausivo! Ajunte-se a isto que não cosia, porque o frio da agulha causava-lhe tremuras, e quase teremos - pelo lado da moral - a sábia Nham Pombinha, casada com Cirilo Pereira, velho, com bons bens de fortuna e um ciúme Otélico da sua cara metade, que era uma gastadora terrível. Além disso - diga-se a verdade - Nham Pombinha era bonita com a sua cutis morena, os seus olhos negros, os seus dentes brancos e um impertinente de um buçozinho, que era mesmo uma tentação. Muito dada a leituras românticas, depois de casar com o Cirilo velhusco, cheio de tosses e reumatismos, gasta raiz para a exuberância daquela árvore viçosa, Nham Pombinha, com a prática da vida, começo a sentir que aquilo não devia ser aquilo assim como era, e calculava que tinha sido roubada - no seu modo de entender -, porque, de fato, de nada tinha sido despojada, porque o Cirilo somente em mente seria homem para aquela violência... Moleirão! Pacóvio! Cirilo Pereira, que em tempos idos fora da pá virada, acabrunhado com os anos e com os infrutíferos esforços que o aniquilavam, pra contentar Nham Pombinha, dava-se a perros com os freqüentes desastres, de que a sua escalavradíssima organização o arrastava, mas vaidoso, dava-se a uma esquisita sobranceiria, quando acompanhava a mulher na rua, ao teatro, a uma festa qualquer, onde ambos, pelo contraste, deviam atrair olhares. Morava com seu pai e madastra o Hilário, um rapagão de maneiras sacudidas, porém delicado, instruido e desembaraçado. Viajara em tempo pelo Rio da Prata e por quase toda a costa do Brasil, e por fim acentara o vôo, vivendo fartamente de uma agência de loterias, que já tinha criado fama pela abundância de prêmios, que vendera à freguesia. O Hilário opusera-se ao casamento do pai. Mas, depois de consumado, não mais relutou e deixou-se ficar em casa, vivendo sob o mesmo teto, em contato com o novo casal. O rapaz com seu rápido dicernimento conheceu logo na madrasta, tão nova e bonita, um temperamento de por campainhas à cantela e notou mais a sua mania dos romances, pois palavreado, soi distant, chique, e concluiu, achando-a iminentemente frívola. Para o diante foram-se acentuando umas tantas nuvens fugaces naquele rosto moço, que por fim, suportava, bem se via, a contragosto, as carícias babosas de Cirilo. A apreciação desse fato era então patente, quando o velho, por causa das tosses ou reumatismos, não podia acompanhar a jovem mulher e a espinhosa incumbência era dada a Hilário. Madrasta e enteado! Era quase pateta se não fosse verdadeiro, este modo de nomear aquelas duas criaturas, quase da mesma idade, que se falavam de longe por pequenos gestos, que se compreendiam por simples olhares, quando ao terminar um concerto, um baile, uma festa, que os tinha separado, eles se procuravam por ntre confusão natural de um fim de reunião. No entanto Hilário era sempre o mesmo rapaz, correto, respeitoso e amável. Ligados, na intimidade, ele julgando-a superior a si, em mútuas desconfianças e reservas, Hilário, por vezes contava-lhe as suas estroinices, pândegas furiosas, depois as ceias livres com amigos, em sala reservada de hotel; serenatas a Marílias da cor jambo e que em geral terminavam em rolo provocada por Otelos de trunfa encarapinhada e tamanco bordado; namoros alheios e seus; os seus pares prediletos de valsas. Enfim, aquele rapagão senhor de si, fazia a sua madrasta, um tanto, a sua confidente. Mas não passava daí, se ve bem. Moralmente, considerava muito inferior, pela sua posição, de mulher de seu pai, sua madrasta, colocava-a num alto pedestal de respeito ou melhormente de respeitosa indiferença. Notava, calculava mesmo, compreendia até, com a sua experiência de rapaz calejado na vida, o que poderia haver de difícil na vida de seu pai e de sua madrasta... Começou a notar que esta, as vezes, envolvia-o em longos olhares, apertava-lhe fortemente a mão; que ao sair punha-le sempre na lapela uma flor qualquer; que quando ele voltava, ela arrancava a triste rosa murcha e guardava-a no seio. No seio! Por fim, uma noite em que estavam sós, depois do chá, depois de animada palestra, quando se levantavam da mesa, quando se despediam, - até amanhã - quando se afastavam... ela, Nham Pombinha, sua madrasta, chamara-o... tornaram a aproximar-se... ele animado e ela, ela excitada, nervosa, juvenil, a carne irritada... saltara-lhe ao pescoço e beijou-o na boca... furiosamente, brutal até! - Nham!... rugiu ele, convulso, aterrado. Um pigarrear grosso no corredor chamou-os à realidade. Cada um fugiu para o seu quarto. Cirilo Pereira entrava. Hilário andava como apatetado. Que som a de cruéis raciocínios se atropelava no círculo de análises da sua posição! queria ficar, queria fugir, morrer, matar, dizer tudo, tudo ocultar! Que suplício! Que! Pois uma mulherzinha daquela ordem, uma parvalhana, uma frívola, uma pretenciosa, havia de mangar com ele, mais que com ele, com o seu pai! E... e... no entanto a eterna congestão do sangue esmagava-lhe a razão, enfreiava-lhe os brios, enlouquecia-o! De repente resolveu-se: foi passar duas semanas em Porto Alegre, embarcou e seguiu, pretextando negócios. Depois de dizer adeus a Cirilo, quando entrava no seu quarto para levar a mala ao carro, que já estavam à porta esperando, lá encontrou Nham Pombinha, muito atarefada, pondo em ordem o serviço do lavatório. Não se falaram. Ele pegando a mala, sopesou-a e, na porta do quarto, voltando-se, disse-lhe: - Minha senhora, até a volta! - Hilário... olhe... quero abraçá-lo... eu... - Até a volta! E, rodando nos calcanhares, saiu rapidamente. Foisó então que, roída por aquela paixão, que era natural, mas que era descabelada, foi então que Nham Pombinha resolveu-se ir ao Caboclo, o mágico conselheiro, para estas farofas intrincadas. Contou-lhe o caso; pagou-lhe generosamente o silêncio e a consulta. O bonzo disse-lhe que primeiro era preciso acabar o ciúme de Cirilo e depois tratar do resto. Era preciso paciência. E deu-lhe um pequeno frasco, contendo sabe Deus o que, e recomendando-lhe de arranjar meio de arrumar com aquilo as colheres, no estômago do homem. Dito e feito. Nham Pombinha começou a aplicar o seu remédio que produziu o salutar efeito de provocar cólicas terríveis em Cirilo Pereira e uma sonolência contínua. O pobre homem estava ficando verde e nunca Nham Pombinha fora com ele mais dengosa do que então. Aconselheu a escrever a Hilário, dizendo-lhe que viesse, porque enfim, doente como se achava sempre estaria mais acomapnhado. Passaram-se mais dos quinze dias de que o Hilário avisara precisar. Acabara-se a droga e Nham Pombinha dispunha-se a ir, novamente, ao Caboclo, quando os jornais falaram de certo fracasso provocado por este, então resolveu esperar. Cirilo cada vez mais derreado resolveu-se a fazer uma pequena viagem provocada por seus interesses de fora. Nham Pombinha aproveitou a partida do marido e nessa mesma noite dirigiu-se ao sacerdote do Xererê que deu-lhe mais remédio, e como já se podia ir mexendo com o moço, requereu-lhe um chinelo deste, para um certo encantamento. Nessa noite, por obra do diabo, é que a polícia havia de lembrar-se de cercar a casa do mandingueiro! Ai amor, a quanto obrigas? Saindo da casa do Caboclo, o comandante de braço com Nham Pombinha e o Elesbão Soares atrás, ainda atormentados, ela e este, pelos importunos gorgulhos, veio o grupo caminhando para o centro da cidade, silencioso e mutuamente contrafeito. Logo adiante, numa das esquinas foi o comandante abordado por uma patrulha, que o chamou e deu-lhe parte da qualquer coisa de urgente, porque ele, voltando-se para a senhora,pediu-lhe muitas desculpas de não poder acompanhá-la mais além, porque tinha negócio importante que o chamava, e que, como a circunstância da ocasião era delicada, rogava-lhe deixar acompanhar por aquele senhor, (e apontou o Elesbão) porque enfim sempre era um homem... - Pois não! Pois não... atalhou logo este. Despediram-se todos e cada grupo tomou rumo diferente. Nham Pombinha e o Elesbão Soares! Ele atormentado, pelo seu amor, aqui pelo seu braço, em carne e osso. Ela revendo nma memória o Hilário, robusto, de ancas largas e grandes ombros. E ambos, iguais perante o gorgulho, parando a espaços, para tirar algum mais impertinente, que dirigia a marcha muito imprudentemente... | |
Continua...
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