|
Lendas do Sul
A mãe do ouro
O que é hoje serra de pedra já foi gente vivente: foi gente num tempo muito antigo, e, por um castigo do céu, endureceu
de repente e caída ficou onde estava...
Onde estavam sozinhos ficavam cerros e serrotes; onde estavam apinhoscados ficou a serrania encordoada.
E os seus ossos aí estão acimentados, em puras pedras virados; a carne que os cobria deu terra negra; os cabelos
são os matos, matos que bebem o sangue, que nos parece a nós apenas cascatinhas e vertentes; os lugares ocados
que aparecem são os buracos do seu corpo, da sua boca e olhos, do seu nariz e ouvidos... As veias deram em ferro, e
os nervos, como parte delicada, viraram-se em ouro e são os veeiros amarelos que se entranham por aí abaixo, adentro
da crosta, tal e qual como os nervos estão entranhados na carnadura da gente.
Mas o que governa tudo, que não se sabe o que é, que é a Alma, que não morreu, essa é que é a Mãe do Ouro, porque
ela, que não entrou no castigo, é que defende os nervos dos castigados, os veeiros da fortuna, para que no dia do Perdão
cada um ache o que seu é...
Aí está porque, quando troveja, tantos raios caem sobre certos cerros e tanto ventarrão esbarra neles: ...é a Mãe do Ouro
que chama socorro...
Às vezes rebenta um cerro destes com estrondo grande; se é de noite, no fogo que se vê sair, vai a cuidadeira de mudança
para outro; se é de dia, é sempre no pino do meio-dia, e na luz do sol que encandeia os olhos, apenas sente-se o rumo que
ela toma, só o rumo, mas não o lugar novo em que ela vai fazer morada nova.
|